terça-feira, 27 de novembro de 2012

Cartão postal


Si no te hubieras ido, qué harías?

Nunca havia entendido essa pergunta, feita por um filósofo belga. Até um dia em que minha barba ficou maior e eu resolvi tomar um porre de vinho.

Se eu não tivesse ido, o que eu faria?

Buscaria um trabalho de subalterno. Ganharia menos do que ganho hoje, trabalharia mais do que trabalho hoje.

Sentiria mais saudade das pessoas de quem não sinto falta. Não sentiria saudade da única pessoa de quem sinto falta.

Teria aprendido a cevar mate.

Seria mais nacionalista.

Compraria cigarros por menos.

Falaria melhor a R vibrante.

Viveria contigo por todo o tempo do mundo. A chama não se apagaria como se apagou.

Mas eu tinha que voltar. Eu tinha. Eu sabia que tinha.

Voltei.

E agora me pergunto quando vou receber a contrapergunta.

Si te hubieras ido, que harías?

Estaria bêbado, às 5 da manhã, ouvindo a música que ouvi na festa quando te disse que te amava. Lembrando de você e me perguntando por que você se foi.

Che, por que me dejaste ir?

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Dia D


Talvez chegue um dia em que eu entenderei por que vanglorio tanto todas as pessoas que um dia me deixaram. Por que lhes dedico tantas palavras de doçura e amor que nunca dediquei a você. A você, a quem ultimamente eu tenho dedicado apenas frieza, solidão, esquecimento e lembranças de culpa.

Talvez chegue um dia em que eu entenderei todas as palavras que nunca trocamos, porque sei que você já as compreende como nunca pensou que pudesse. Palavras que nunca foram ditas, que se juntaram e se acumularam e se fermentaram para criar um muro, quase intransponível, entre nós dois. Palavras que, se um dia houvessem sido ditas, sairiam pela janela e se dissolveriam entre tantas outras que existem nessa atmosfera, sem mal algum.

Talvez chegue um dia em que eu entenderei por que resolvi desaparecer por tanto tempo. Esse tempo que é muito maior do que os calendários mostraram nos últimos anos, na última década. Esse tempo que eu contei apenas materialmente. Justo eu, que sou tão bom com datas e números e memórias, já não lembro quando foi a última vez que nos vimos de corpo e alma – a última vez não conta, meu corpo estava ali e eu não, assim como todas as outras. Me refiro ao tempo em que estive aí, 100% aí, feliz da vida pura e simplesmente por estar ao teu lado. Não lembro quando foi. Desculpe. 

Talvez chegue um dia em que eu admita que você havia acertado quando perguntou se eu estava com vergonha de você. Porque nossa sintonia era tão, mas tão grande, que eu sabia exatamente o que havia feito de errado com um simples olhar teu. Aquele olhar que ecoava mais estridente nos meus ouvidos do que qualquer tempestade que eu mesmo criei para mim. E agora me resta essa lembrança, da qual eu me envergonho como nunca se me havia acontecido. 

Talvez chegue um dia em que eu entenda por que nunca te apresentei nenhuma das pessoas mais queridas que conheci na minha vida. Não é porque achasse que você não merecesse uma migalha sequer das migalhas que essas pessoas me deram. Acho que, no fundo, eu sabia que na verdade elas não te merecessem. Porque pessoa que não estarão no último momento não são dignas de conhecer quem havia sido o grande responsável pelo começo de tudo. 

Talvez chegue um dia em que eu me lembre da tua cara de surpresa e do teu sorriso quando eu abrir a porta sem te avisar hoje à tarde, correr para você e derramar no teu ombro a quinta e a sexta lágrimas que rolarão pelo meu rosto – as quatro primeiras, eu sei, já terão se espatifado no carpete durante o caminho. 

Porque hoje é o dia que você esperou por tanto tempo. Tanto, tanto tempo.  Tanto, tanto, tanto tempo. E que eu evitei por tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto, tanto tempo para ter certeza de que eu também queria estar lá, encaixando a mesma chave de sempre na maçaneta de sempre para entrar pela mesma porta de sempre para te dizer, emocionado como nunca.

Oi. Tudo bom?

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Confissão


Sabe todas as vezes em que eu te digo, meio desiludido e com as palavras carregadas de mágoa, que não nos veremos mais? Preciso te confessar algo: eu minto.

Nunca estive tão certo de algo tão incerto. Sei que vamos nos reencontrar de novo, querida. Não sei se no próximo verão, se no próximo ano, se na próxima década, se em nove ou em noventa anos. Não sei se aqui ou se aí, se no primeiro lugar em que eu te vi ou em um trem a caminho de sabe-se lá onde. Não tenho a menor ideia.

Eu só sei. Sempre soube. E se te digo o contrário é para te provocar. Para te instigar a me fazer uma surpresa que apagaria (apagaria?) as últimas surpresas que tive com você.

Se te digo que você nunca mais saberá uma letra a meu respeito é porque me dou a oportunidade de que você, a vida, o destino, a improbabilidade, o acaso ou qualquer outra entidade que esteja no comando do nosso barco me surpreenda. Me olho no espelho e repito que você é uma página virada, rasgada, amassada e atirada pela janela apenas para poder sorrir incrédulo e estupefato ao te ver de novo.

É impossível que seja impossível que nos vejamos mais uma vez. Apenas admito a impossibilidade de que nos tenhamos afastado com um simples e mentiroso “até logo” que quis dizer "até nunca mais". Desde aquele momento eu sabia que te veria de novo. Como você sempre foi; maquiada ou com a cara lavada; com o rosto mudado; mais velha, mais gorda, mais casada, mais ou menos divorciada, meio que com filhos, menos ou mais solteira, mais enrugada, mais jovem; mais linda. Mais linda. Como sempre ou como outra pessoa.

Não, não pode ter sido somente isso. Não seria certo, não seria justo.

Sim, nós nos veremos mais uma vez. Nos olharemos, nos sentiremos fracos e inseguros. Nossos corações palpitarão como uma britadeira contra o nosso externo – e não duvido que quebrem nossas costelas. Sorriremos. Lembraremos, fantasiaremos. Espero que nos falemos. Espero que passemos uma tarde inteira juntos conversando sobre o nada que teremos feito até lá.

E se algum dia eu ficar velho e gagá e, entre minhas fantasias, eu me lembrar de que ainda não te vi, vou sorrir. Vou respirar aliviado por saber que o pior já terá passado e que dali a alguns instantes nos reencontraremos.

Sim, querida.

Minha certeza em te ver de novo é tão grande que me fez acreditar em uma outra vida depois desta vida.

Tudo isso porque estou mais do que certo de apenas uma coisa: a chance de nos vermos de novo, por um micromilissegundo que seja, é o que mais se aproxima neste mundo (e em todos os outros) ao zero absoluto.  

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Mate cocido


Queria te falar que estou tomando chá. É, sei lá... aparentemente, que grande coisa há em tomar chá às 3 da madrugada? É que pode não parecer, mas há muito por trás da canequinha com água quente que tenho aqui do meu lado.

Na verdade... não necessariamente da caneca. Acontece que estou tomando aquele chá que você preparava para mim no café da manhã. Ou então durante a tarde, se fazia muito frio ou se eu ficava doente. E como eu ficava doente com você – e como eu era doente por você.

Foi sem querer. Parei na cozinha para comer qualquer coisa e... não sei. Resolvi tomar chá. Quente. Mate cocido. Green Hills. Daquela mesma caixinha que eu havia comprado no último dia em que eu te vi. Ela ainda estava aqui. Novinha, lacrada, durante todo esse tempo. Nunca tive coragem de abri-la.

Eu sabia que, se abrisse aquela caixa de chá, abriria com ela todas as urnas que estavam enterradas e acorrentadas e trancadas com cadeados pesadíssimos no interior da minha memória. Tantas lembranças, tantas visões, tantos sons e imagens e cheiros e sensações que eu guardo aqui comigo tentando apenas me convencer de que tudo foi apenas um sonho.

Seguro a caneca, olho o vapor que sai de dentro dela e vejo você, sem maquiagem, de pijama, o cabelo desarrumado e cheio de nós... você ali de pé, no fogão, erguendo o bule e caminhando descalça para o balcão, com a bunda arrebitada. Parava nas nossas canecas, enchia primeiro a minha, verde, e depois a tua, bege amarelada. Eu me divertia com aquilo.

“Mate cocido, común... de qué querés?”. “De coca”, eu respondia. Gostava de ver você girar os olhos para cima e morder o lábio inferior, balançando a cabeça e fingindo que estava cansada das minhas piadas sempre iguais, repetindo que me proibia de tomar chá de coca. Eu aceitava tua restrição e me rendia às outras opções. “Qual a diferença?”, eu te perguntava. Você não sabia responder, e eu sempre escolhia mate cocido. Nunca común. O comum não se nos encaixava naquele momento.

Então você se sentava do meu lado, eu colocava a mão na tua coxa. Ligávamos a TV para ver algum desenho e ficávamos lá, conversando sobre qualquer coisa, descobrindo e redescobrindo tudo o que já sabíamos um do outro.

Agora tomo meu chá e sinto teu gosto nele. Sinto o calor dos teus beijos, que sempre foram sob medida para mim. Lembro quando íamos tomar sorvete nas terças à tarde e eu não me cansava de roubar beijos de você. “Pico frío”, eu te dizia. Aquela sensação de quente e frio... ah, como isso me matava. Era a sublimação do meu ser, o sentimento mais inexplicável e a maior certeza de que Deus existe e me queria muito bem. A ponto de me fazer sentir maior do que ele, ainda que de uma maneira fugaz.

E aí eu tomava um gole de chá e te olhava erguer a tua caneca com as duas mãos, como um esquilinho que havia acabado de roubar uma noz e sabia que tinha feito algo feio. Você tirava os olhos enormes de mim, enchia a boca de chá, respirava fundo e engolia, tentando não fazer barulho e fazendo um “glup” que me fazia esquecer a dor do mundo. Eu parecia uma criança, rindo, me divertindo a cada gole teu e me inundando de ternura cada vez que você me dizia “no me mires” e tapava o rosto com as tuas mãozinhas morenas de esquilo.

Me acalma o coração lembrar tudo isso, sabia? E... me explode o coração de angústia saber que nunca mais verei isso de novo. Eu deveria (e talvez queira) te odiar para sempre. Não pelas coisas ruins que vivemos depois daquele nosso último chá. Mas por você ter feito com que eu não soubesse mais sorrir de uma maneira tão espontânea sem te ver tomando chá.   

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Teu maior erro


Nunca vou te perdoar por não termos vivido uma despedida cinematográfica. Daquelas em que você me diz tchau, eu passo a mão no seu rosto, te dou um beijo na testa e depois viro as costas chorando com o coração apertado. E aí depois eu desfaço as malas e encontro, entre a blusa que você me deu no nosso aniversário e aquele perfume que você adorava, a tua foto. Daquele momento especial que vivemos, aquela em que teu sorriso era tão real e meus olhos brilhavam tanto.

Hoje eu sinto falta dessa foto tua que eu não tenho. Aquela que eu guardaria entre um livro para encontrá-la dentro de uns 20 anos e sentiria um calor no peito relembrando daquela noite na praia, em que paramos para ver um sirizinho se enterrar na areia com medo do teu grito de medo. Para a qual eu sorriria e suspiraria. E que me faria pensar o que seria da tua vida naquele momento.

Você não podia. Não tinha esse direito.

Seria mais do que digno da tua parte. Uma foto tua, nossa. Aquela que eu tanto insisti que teu cabelo estava lindo desarrumado daquele jeito, que você ficava muito melhor sem maquiagem. Que teu sorriso animava meus dias longes de você. Que era aquela a cara tua que eu guardaria na memória para todo o sempre.

Não é drama. De fato quero essa foto. Segurar aquele papel, passar a mão sobre o teu rosto novamente, dar um beijo na tua testa. Derramar uma lágrima, ou duas, ou 13, ou 93 sobre ela. Apertá-la contra o meu peito para recordar do calor do teu abraço.

Trocaria todas as centenas de fotos que tenho com você por essa, impressa, que você não me deu. Física, material, perecível, com o teu cheiro e com algum resquício de material genético teu. Que me teria sido dada naquele momento, naquela ocasião, com aquela finalidade.

Já não sinto tua falta. Mas sinto falta da foto que não tenho. 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Máscara


Movimenta as mãos sobre o papel porque as palavras não se cansam de chacoalhar dentro de sua cabeça. Escreve com letras tão mal trabalhadas e apressadas porque já se cansou de esperar por algo que realmente quisesse lhe dizer.

Tudo isso porque finge não a ver enquanto lhe mede todos os passos. Dissimula uma ocupação quando ela o olha porque já perdeu tempo demais de estudo preocupado se ela ainda não chegou ou se havia ido embora mais cedo.

Força o surgimento de um sorriso falso e indiferente porque não consegue conter os lábios, que, mais que tudo, querem sorrir para ela. Conta uma piada (ruim, geralmente) a algum colega para aliviar o nervosismo que a presença dela lhe causa. Distribui abraços e banaliza carinhos porque anseia passar os dedos por entre os cabelos lisos e negros dela.

Faz de conta que transborda segurança porque aquela presença o desarma. Age despreocupadamente perto dela porque se preocupa exageradamente para não estragar tudo o que ainda não têm.

É quando percebe que é um estranho para si mesmo. E, quando tenta planejar o próximo passo, empaca. Se aquele não é ele perante ela, como tomar alguma decisão sensata?

Sabe? Ele sente a falta dela. Mesmo sem nem saber o que é tê-la para poder ter alguma lógica nessa saudade que sente.

Ele a quer. No idioma dele, na cidade dele. Na vida dele.

Tornou-se um sonhador. Um apaixonado. Um cafona. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

> apagar ao acordar


A vida é um coletivo de memórias.

Nosso hoje nada mais é senão lembranças de um pretérito perfeito que ficou para trás e uma libertação de um passado imperfeito que ainda reflete – com sentimentos ou não – no nosso ser atual.

O presente nos deprime pelas memórias que não vão mais voltar. E nos remoemos pelas memórias alegres que não estamos produzindo agora.

Não, não é questão de viver ancorado no passado. Vivemos produzindo passado.

O presente nada mais é que um lapso de consciência, uma ilusão. Você começou a ler este texto no passado. Teu relógio fez tic, demarcou um novo passado. Mais um tac, outro passado. Você, que leu estas três linhas, perdeu três linhas de passado.

Só que o presente, por assim dizer, também pode ser animador quando sabemos que estamos produzindo algo de importante para o futuro.

Ah, o futuro. Quando virarmos o pescoço para trás e olharmos o nosso hoje com certa saudade. Talvez rindo, irônicos de nós mesmos. Menosprezando as angústias do hoje com um simples “como éramos bestas”.

Um dia seremos maduros, eu sei. Experientes, diremos.

Teremos vivido inúmeras coisas e, no fundo, saberemos apenas lidar com essas e com aquelas memórias. Não deixaremos que as dores do passado afetem o nosso hoje e nem que as alegrias de agora nos tirem os pés do chão.

A vida é uma nostalgia.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Cartão-postal


Hola,

Ahí está el regalito simple, pero de corazón, que te traje de mi viaje.

Ojalá un día conozcas allá. Y también todos, pero todos los lados con los cuales soñás conocer.

Creo que este será el último recuerdo físico, material, que tendrás de mí. Supongo que no nos volveremos a ver nunca más, a menos que me pruebes el contrario algún día. No lo creo. Pero así es la vida, un montón de despedidas y de memorias, no?

Siempre me voy a acordar cariñado de vos. Y te apoyaré desde acá lejos para que seas re contra feliz.  Vos, Juanito, Mati y la chiquilla Luchi. Che, va a tener tus ojos y ser hermosa como vos.

Muchas gracias por haber hecho parte de mi vida los últimos años.

Adiós, supongo.

Con amor, cariño y nostalgia,




sábado, 22 de setembro de 2012

Um X demarcará o local indicado


Aqueles desenhos animados nunca haviam feito o menor sentido: onde já se viu enterrar um tesouro, e ainda por cima fazer um mapa para indicar – para qualquer um que tenha a ventura de encontrar aquele rolo de pergaminho – onde estava guardado? Quem havia sido o idiota a criar nisso?

Eu. 

Não havia me dado conta, mas aos poucos guardei um tesouro. Valiosíssimo, na verdade. E sem fazer o menor alarde. Juntava tudo aquilo que era de mais valioso para mim e guardava tudo comigo. Eram relíquias. Artigos únicos em uma vida. Algo que tinha tanto, mas tanto valor... que provavelmente passaria batido por aí.

E assim passaram-se os anos, e minha coleção apenas aumentou. Aumentou, aumentou e aumentou... até estancar. Eu fazia de tudo para que ela voltasse a crescer, mas nenhum esforço era válido. Não havia mais para onde expandir minhas riquezas. Meu tesouro estava completo, era preciso aceitar isso.

Desconfiado, sempre andava com parte de minhas relíquias. O primeiro item guardado, a primeira preciosidade ali identificada entre um monte de lixo. Era meu talismã, me fazia lembrar quem eu era, tudo o que eu tinha. Bastava sacá-lo de minha carteira, recordar (e reviver, talvez em uma dimensão paralela) aquele instante... e tudo passava. Tudo.

Mas... ah, como naquelas fábulas de quando eu era criança. Era um tesouro amaldiçoado. Querido, porém, maldito. Tinha uma riqueza tão imensa que me prendeu a ele, não permitia que eu vivesse a realidade e continuasse mergulhado... naquela funesta herança. E, em um raro momento de lucidez, percebi que era necessário abrir mão de tudo aquilo.

Guardei todas as minhas mais valiosas riquezas em uma urna. Apenas eu sabia o quanto era doloroso e dolorido me desgarrar de tudo aquilo que com tanta batalha, com tanta entrega, com tanta alma e com tanto coração eu havia conquistado. Mas também tinha a certeza de que não poderia mais dividir minha lucidez com todo aquele sinistro despojo.

Só que... não. Não poderia jogar no lixo toda aquela preciosidade. Pensei em doá-lo a alguém de confiança, mas... não. Ninguém além de mim saberia dar o verdadeiro valor a tudo aquilo. O melhor a se fazer era enterrá-lo. Em um local seguro, conhecido, sob as seguintes orientações.

Ao nascer do 17º sol da primavera, volte-se para a árvore da praça do juramento a 31,3º ao sul e a 64,2º a oeste. Caminhe 20 passos a leste, dobre a norte sob a indicação do banquete. Siga mais 38 passos a norte. Trespasse a muralha de ferro a oeste, aquela que antes sempre esteve aberta em tempos de calmaria. Percorra mais 22 passos sobre o campo relvado, escale a muralha de ladrilhos demarcada pelo hieróglifo da peneira. A urna ali se encontrará, sob a casa erguida com troncos e rodeada por flores de jasmim, para ser desenterrada daqui a alguns anos, depois que todos os fantasmas que a assombram sejam exorcizados.

Ali estará todo o meu tesouro. O maior de todos eles: ingressos de shows, cinemas, contas de jantares, passagens aéreas e rodoviárias, um mapa da pequena cumbre. Tua declaração de amor em uma caixa de fósforos de hotel. Uma foto tua. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Pódio


Há instantes da vida em que, não importa o que aconteceu nem o que acontecer, tudo sairá perfeitamente bem. E daí encontramos possíveis explicações para vencedores de loteria, crimes perfeitos, jogadas de sorte e até mesmo aquele cara low profile se dando bem com a garota mais desejada do círculo social.

É estranho ver isso de fora, e... estar dentro desta situação, mais ainda. É... não sei. Talvez seja uma sensação de ser maior que você mesmo. De ser maior que o mundo. De ser maior que a vida. É um instante em que tudo faz o maior sentido e não há mistérios no universo que sejam insolúveis. Difícil explicar. Mas deve ser exatamente o que o Mario sente quando captura uma estrelinha no Super Nintendo e fica invencível.

Não importa.

Nada importa. Nada.

Nem mesmo a autocensura, que te avisa do alto risco e da imbecilidade dos pensamentos que circuitam o interior de sua cabeça e movimentam a roda do gerador que te energiza a fazer aquilo que há tempos você nunca teve a coragem de fazer.

Chega a hora de um suspiro imprudente. A inflada dos pulmões, o oxigênio que provoca a combustão inconsequente. O all-in blefado de 2 de copas e 10 de espadas em um river que pode mudar... uma vida? Duas? Três? Quem sabe?

Um sorriso vencedor.

Uma gargalhada, intensa, triunfal.

Os olhos fechados. O imaginar de um braço erguido, de um punho cerrado.

Os aplausos mudos. A vitória. As batatas.

Um novo respirar fundo.

...

A realidade. A angústia, o desespero, o receio, o temor, o ar que falta, as mãos que transpiram.

O esquecer que aquele era o momento em que a vida jogava o teu jogo.

“Acalme-se”, algo lhe sussurra ao ouvido. “Aquele era o teu momento, aquele era o teu show. Não seja impaciente”.

Segundos que duram séculos.

E enfim a vitória (sim, aquela mesma, à qual você não está acostumado e que te faz sentir culpado por não achar que merece vencer).

Sorrisos escancarados para todo um feriado. A felicidade nos menores detalhes.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

(toca o telefone às 2h37 da manhã)


Che!

Desculpa te acordar a essa hora da noite com essa ligação, sei que já nem me corresponde mais o direito de te acordar de madrugada nem que seja um caso de polícia. Mas é que... nah, não tem como não compartilhar isso contigo!

Acontece que... não, você não sabe. É um negócio tão sensacional e tão importante que você vai saber e espero que fique sem fôlego assim como eu fiquei em saber. Quero que você fique tão feliz quanto eu fiquei ao saber disso. É uma alegria que... sabe? Faz tempo que eu não sinto.

Quando foi a última vez que eu senti isso? Ah, lembrei! Foi aquele dia que eu fiquei te esperando sair da aula e fiquei ali fingindo que olhava para o outro lado da rua. E aí você veio, me deu um empurrão já me abraçando e me dando um beijo enorme pra que toda a tua cidade visse. Verdade, foi esse dia. Foi a última vez que nos encontramos.

Mas então, não me deixe sair do assunto. Vamos lá.

Acontece que não consegui vibrar sozinho ao saber disso e... até tentei respirar fundo, deixar para te falar amanhã. Mas aí peguei o telefone, vi teu número... e ah, o que custa te dar uma ligada? Vai que depois você dorme ainda mais feliz...

Sabe? Tenho saudade disso, de te ver dormindo tão feliz ao meu lado. Gostava de acordar no meio da noite quando você me dava um empurrão sem querer e eu ficava ali, te olhando, e te dava um beijo no ombro e passava a mão nos teus cabelos e já me sentia o máximo por... te ver dormindo.

Só que... é, eu te dizia... eu te dizia...

Bah, deixa pra lá. Nem era tão importante assim, mesmo.

Boa noite.



segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Sobre o recomeço

Eu pensei que já havia exorcizado tua presença em minha vida. Imaginei que ignorando tua existência e seguindo adiante na minha vida seria possível... fazer um novo futuro no qual você, infelizmente (e eu sempre sublinharia este infelizmente), não estaria presente.

E foi com isso bem certo que resolvi começar tudo de novo, bem longe de qualquer lembrança tua. Decidi passar os três primeiros dias de minha nova vida em uma praia bem distante, nova para mim, a quilômetros de qualquer possível despojo da tua existência.

Até que eu resisti bem a esse novo período, sabe? Pude sentar de frente para o mar e olhar para todas as ondas que se quebravam e requebravam e voltavam a quebrar novas ondas e assim por diante. Ah, é. Sempre com alguma cerveja na mão - e não só com água gelada, já que eu não gostava de beber com você (aquele blábláblá que eu tinha de não querer perder um segundo que fosse de estar com você).

Nas poucas vezes em que desviava meu olhar daquele monte de água, reparava em belas moças desfilando de biquíni com belas curvas e belas marcas e belos caminhares, e elas sempre passavam reto sem nem perceber minha existência. Mas eu já não precisava olhar para o teu rosto e penetrar nos teus óculos escuros para ver aquele olhar que você fazia para esconder que estava maravilhada com aquela paisagem – mas teu sorriso te denunciava.

Depois de muitas ondas, muitos biquínis e muitas cervejas, eu voltava para o quarto, tomava um bom banho bem rápido, tranquilo e refrescante, ligava a televisão e assistia a qualquer coisa até pegar no sono; dormia e só acordava quando já estava cansado de dormir. Sensação diferente de chegar à milanesa com você, entrar no banheiro, ser surpreendido por uma entrada inesperada tua no boxe e tomar um banho de quase uma hora com você, para depois ficar horas acordado ao teu lado na cama e levantar, com sono, para colocar alguma roupa de sair, jantar em algum lugar bacana contigo e depois caminhar na beira do mar.

Mas enfim. Depois de três dias assim peguei meu carro, já anoitecendo, e voltei para casa.

Não tinha pudor em fazer ultrapassagens na estrada, ziguezaguear para lá e para cá, já que antes eu preferia manter uma direção constante na mesma faixa, pois morria de medo de acontecer alguma coisa contigo. Aumentava o volume do som naqueles trechos onde costumávamos conversar sobre a vida. Abria o vidro do carro quando sentia sono e não tinha com quem conversar para continuar acordado. Mantinha as duas mãos no volante, já que a tua perna esquerda não estava mais lá para repousar minha mão direita.

Também não tive problemas com a ansiedade de chegar logo em casa, que você amenizava olhando o GPS e dizendo a cada cinco minutos quanto tempo faltava. Até desenvolvi a habilidade de olhar no GPS o tempo estimado para o fim da viagem enquanto subia a serra, sem perder o foco na estrada.  

É, bonita, estou começando uma nova vida.


(... preciso admitir que ela seria muito mais divertida e intensa se você estivesse nela também?)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: o que abacaxis têm a ver com petecas?


Nunca fez sentido para mim, e imagino que para ninguém. Mas nada como uma recorrida básica à versão original do Chaves para entender a origem de uma das piadas com menos sentido da nossa amada série: o que diabos quer dizer aquela piada que o Chaves faz com o Nhonho quando fala das tribos indígenas?

Para quem não se lembra do que estamos tratando aqui, é simples: basta ver esse trechinho do episódio “Aula de História”, a partir dos 10:00.

<

(Se você teve preguiça de rodar o vídeo, eu resumo)

O Professor Jirafales pergunta ao Nhonho quais eram as tribos que habitavam o Brasil, o gorducho acerta ao responder “tupis” e toda a classe entra na onda de dizer qualquer besteira que termine com –is. Até que o ciclo chega ao Chaves, que cita os “abacaxis” e, em seguida, se refere ao Nhonho como “petecas”. Não, não, não. Não tem o menor sentido. E nem é engraçado, afinal... peteca nunca foi sinônimo para gordinhos.

Acontece que não faz sentido mesmo na versão que vemos mensalmente no SBT ou no Cartoon Network. A coisa, porém, começa a ganhar forma no áudio original, em espanhol. E, lembrando que Chaves é uma série produzida no México, o entender da piada começa a tomar outro rumo a partir da pergunta do Professor Linguiça: as tribos em questão eram as que habitaram o México.

As respostas da turma também são bem diferentes e começam com o acerto do Nhonho: os astecas. E, também em espanhol, começa um vendaval de chutes sem sentidos que rimem com “astecas” – e nada de tupis. Caratecas, discotecas (nada de lambarês, como diz o Godines), bibliotecas... e então chegamos ao Chaves, que não fala nada relacionado a abacaxi. Veja, a partir dos 10:40:


Viram? O Chaves diz, inicialmente, que a tribo era a dos Nhonhos - referindo-se ao filho do Seu Barriga, não à comunidade ñoña, conforme já explicamos aqui há muito tempo. Mas o que tem a ver o Nhonho com as supostas tribos cujos nomes terminam em –teças? Tudo:

Los mantecas!

Sim, é isso mesmo que você está pensando: os manteigas. Não sei se preciso explicar, mas também não custa. Diferentemente do português brasileiro, no qual “manteiga” é sinônimo de alguém chorão ou molenga, em espanhol “manteca” está diretamente relacionado à gordura.

Então, da próxima ver que assistirmos a esse episódio... vamos lembrar que, no fundo, a piada original tem lá um certo significado. Mas é o que eu sempre digo: as sacadas originais que se perderam na tradução já se tornaram ultraengraçadas por maioria de votos.

E falando nisso...

Sabem quando o Chaves diz que a primeira coisa que os portugueses fizeram quando chegaram ao Brasil foi “enfeitar os índios”? Então... ok, admito que esse trocadilho com o “enfrentar os índios” é um tanto engraçado. Só que em espanhol é ainda mais engraçado.

Na versão original da aula, que na verdade trata da história do império asteca, eram os astecas quem protagonizavam o relato do Chaves – eles viam uma águia comendo uma serpente e blablablá. E qual foi a primeira coisa que os astecas fizeram quando viram essa cena?

Tuvieron que pegarte, bruto! – tiveram que te bater, idiota!

É engraçado, vai. Bem mais. Sobretudo porque no livro dizia que eles tiveram que “pagar tributo”.

Pois é.   

terça-feira, 31 de julho de 2012

As coisas mais lindas que eu nunca quis te dizer


Me dói muito pensar que algum dia da minha vida vou me lembrar de você como passado. Que a partir de algum dia tua imagem sempre esterá atrelada a bons momentos que vivi lá atrás, que foste responsável por um período feliz da minha vida nos anos que já são distantes. Talvez seja questão de costume, mas não ter você atrelada ao hoje, ao meu presente e ao meu futuro, me provoca uma sensação estranha.

É meio frustrante olhar para trás e ver que tantas coisas boas ficaram por lá; depois girar o pescoço e voltar minha cabeça para este período... estranho, para manter um mínimo de otimismo por aqui. Ando meio pessimista, para te falar a verdade – acho que você já percebeu.  

Acontece que não é fácil imaginar o quanto eu investi de tempo, coração, cabeça e alma para ser o melhor para você e que falhei. Sim, falhei, admito. Não há outra maneira de descrever essa sensação de olhar ao redor e ver que não sobrou nada de todos aqueles investimentos que fiz. É preciso admitir, meu melhor não foi o bastante para você.

Sei que agora estamos em um momento de desapego, estamos nos preparando para não nos falarmos nunca mais. Enquanto ainda há tempo, queria te dizer que... gosto muito de você. Apesar de tudo. E é por isso que... sabe? Torço por você. Quero que faças boas escolhas na tua vida, as melhores. Que encontres alguém que te queira e que te ame demais mesmo, que sejas mais feliz com que ele do que fomos nós dois.

Eu realmente quero que isso aconteça, porque... jamais vou te perdoar se você um dia for infeliz, se em algum momento precisar olhar para trás e perceba ali que não te sobrou nada senão boas lembranças do passado que quiseste mudar. Tomara que não se arrependa das tuas escolhas.

Bonito, né? Até meio poético. Mas é verdade, ainda que não seja tão fácil acreditar. É que a gente percebe determinadas coisas quando é possível analisar mais friamente. Chegamos a um momento em que eu sinto mais falta, em que eu quero mais te ver, em que eu quero mudar as coisas, em que eu quero mudar o mundo para você.  

Chegamos a um momento de dizer um “para sempre” que seja de verdade.

Vai ser assim para sempre, bonita.

Assim como eu vou me lembrar de você para sempre. 

sábado, 28 de julho de 2012

Foi tão efêmero


Houve um momento em que percebi que iria guardar você para sempre na minha vida, e talvez você nem tenha se dado conta de quando isso aconteceu – porque não foi na primeira vez que te disse que te queria e nem quando admiti (para mim mesmo) que te amava.

Foi depois de tudo isso, pra te falar a verdade. Alguns dias depois.

Aconteceu em um domingo, depois que você teve que voltar para casa. Fingi que fui para o ponto de ônibus, mas na verdade acabei parando logo que passei pela porta do shopping do lado da tua casa, sentei em um cantinho e me rendi. É, foi ali.

Ali eu sabia que você já estava marcada para sempre na minha vida, e que nunca mais eu conseguiria lidar com a possibilidade de um dia você não estar mais. E ali eu chorei, sem parar, por quase uma hora. Talvez antevendo que um dia seria preciso conviver sem você.

Chorei pelo eu de hoje, que, de algum jeito, avisava ao eu daquele dia o que ele estava fazendo. Chorei pelo que os felizes e radiantes eus daqueles dois anos em diante fariam ao eu cético de hoje, que acha que tudo foi tão efêmero e que teme nunca mais te ver de novo.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: Não se diz cagueta, se diz chupeta

Há um certo tempo eu havia tentado desvendar tal piada, mas não tinha sido capaz sequer de entender o que era dito em espanhol. O tempo passou, porém, e resolvi tentar rever o episódio “Caçando Lagartixas” para ver se minha compreensão melhorava. E não é que, neste momento, tive uma epifania e tudo resolveu fazer sentido na minha cabeça?

Pois bem. Lembram-se neste episódio (inesquecível para mim, dada a voz irritante da dublagem do Chaves), logo no comecinho, quando o Seu Madruga vai ralhar com o nosso querido menino da Vila por ter dito à Dona Florinda que não havia pedra naquele estilingue? Pois bem. Ali começa um dos diálogos mais sem sentido do seriado, especialmente na versão dublada. E é dali que sai a famosa frase “não se diz cagueta, se diz chupeta”, que, imagino eu, sempre tenha carecido de uma explicação sóbria e sensata. Mas vejamos, a partir dos 2:00:

Toda essa confusão tem início por causa de um maldito verbo em espanhol que não temos (não em tradução perfeita) no português: o tal do echar, que pode significar muitas coisas. Um hispanohablante echa de menos quando tem saudade, echale sal quando salga alguma comida, echa a perder quando desperdiça algo, echa quando demite alguém... enfim, são nada menos do que 48 significados possíveis, de acordo com a Real Academia Espanhola. Isso sem falar em locuções, gírias ou regionalismos.

E é daí que sai o echar de cabeza, expressão usada pelo Seu Madruga quando o Chaves o dedura para a Dona Florinda. Só que, analisando friamente, não seria tão absurdo assim encontrar outro significado para tal declaração. Confira, no áudio original (adiante até os 2:50):

O Chaves se limita a entender a versão mais “clássica” do echar: “jogar de cabeça”. E responde que alguém que “echa de cabeza” outra pessoa é um lutador (e não carrasco!), porque “agarram o outro lutador e jogam de cabeça no ringue e ganham porque o juiz levanta a mão dele”. Perceberam como o gestual dele durante a fala tem mais sentido?

Mas, o que vem a seguir, é um festival de bobagens do Chaves para as perguntas do angustiado Seu Madruga, que diz se referir a pessoas “delatoras” – ou caguetas. Mas qualquer coisa menos isso foi entendida, basta ver a risada do garoto do barril: “não se diz de la tora (ou “da toura”, em português), se diz ‘de la vaca’”, responde ele.

Viram só? É apenas uma piadinha ingênua, simples... e que não tem naaaada a ver com a tal da chupeta. Só que, convenhamos, não era nada fácil encontrar alguma conversa com sentido para tal passagem tão desconexa (e engraçada!) da versão original, não é verdade? Até o próprio Seu Madruga admite que os dois não estavam falando no mesmo idioma.

Na sequência, aproveitando o cortejo, vamos desmascarar que “o dedo duro é o dedo esticado” (ainda que não deixe de ser verdade).

Seu Madruga pergunta (em espanhol) se o Chaves sabe o que é um traidor (e não um dedo-duro). A resposta simplória do garoto é dizer que um “traidor” é alguém que traz coisas – tem lá seu sentido, já que “trazer”, em castelhano, é “traer”. E um “traedor”, pensando assim, pode ser encarado como alguém que “traz coisas”.

Contentes? Tomara.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: O Imperador Carlos V ainda não chegou

Voltemos à ativa após muito tempo - e também depois de perceber que vocês, leitores, estão mais interessados em obter respostas para as piadas sem sentido do Chaves do que em ler textos sobre minhas desilusões amorosas. Eu entendo vocês.

E muita coisa mudou desde que eu havia interrompido esta série sobre as explicações para as piadas traduzidas do Chaves. Até o SBT resolveu nos brindar com uma série de episódios (semelhantes ou perdidos) que não eram apresentados havia décadas!

E, bom, reiniciemos esta série com um desses Episódios Perdidos: "A Sobrinha da Dona Clotilde".

 

Logo no começo deste episódio (6:20) vemos o Seu Madruga perguntando ao Quico onde estava a Dona Florida, ao passo que o bochechudo não hesita em questionar seu famoso "da parte de quem?". Seu Madruga, então, afirma que está lá em nome do Imperador Carlos V - para a surpresa do Quico, que pergunta se o famoso rei já chegou.

É difícil imaginar que o Quico saiba realmente quem foi Carlos V - no caso, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e, mais tarde, imperador da Espanha. Mas o filho da Dona Florinda tinha uma noçãozinha, como podemos ver logo depois do instante 7:00.



É por isso que o Quico pergunta, na versão original em espanhol, se o Seu Madruga havia virado vendedor de chocolates. E por quê? Bom, simples: porque Carlos V é o nome de uma popular barra de chocolates da Nestlé vendida no México.

Ainda em tempo, vale explicar os erros de ortografia que a Dona Florinda menciona no cartaz feito pelo Seu Madruga. No letreiro, como é mostrado em determinado momento, consta: "En esta becinda estan proividos los animales y los niños chiquititos".

Há cinco erros aí, e dois deles são muito comuns em espanhol como os erros que vemos corriqueiramente em português com as trocas de S, SS, XC, Ç... trata-se da troca do B pelo V, como já vimos anteriormente. E pessoas de menos instrução, com certa frequência, cometem erros assim - e também outros, como omitir letras que não são pronunciadas (como os Ds mudos, os Hs neutros... e por aí vai).

Vizinhança, em espanhol, se escreve vecindad, mas se pronuncia "becindá". Já a palavra proibidos, em espanhol, escreve-se "prohibidos" - e se lê "proibidos". Mas, lembramos, é muito comum confundir o som de V e B em espanhol. Assim como, em alguns lugares, não é tão absurdo assim se encontrar por aí a grafia de "poio" para "pollo", ou frango. Assim é a vida. Já o quinto erro nada mais é que a falta de acento em "están".

Sinceramente? Foi bom voltar.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Entenda as piadas sem sentido do Chaves: Dança das Horas, de Tchaikovsky

[Atualizado de 19 de abril de 2011 (ah, como a vida era boa)]

Muitas vezes cometemos erros porque queremos falar acerca de algo que não sabemos, e a arrogância nos leva ao equívoco – tão vergonhoso, senão mais, que a falha por ignorância. É mais ou menos assim que o Quico comete uma ligeira gafe – que acaba passando desapercebida por todos seus amiguinhos –, que retrataremos aqui.

Acontece enquanto os alunos do Professor Jirafales estão no pátio da escola brincando de orquestra, antes de cantarem as mais do que famosas “Se você é jovem ainda” e Que bonita sua roupa”. Chaves tem a brilhante ideia de que todos toquem a mesma canção e Nhonho acareia quais músicas cada um tocava. São elas:

Chaves tocava Mamãe eu quero (na versão original, seria La cucaracha), Nhonho batucava O seu cabelo não nega (ou Las mañanitas), Godines apitava Garota de Ipanema (não consegui decifrar qual era no roteiro castelhano) e Pópis, Ceuzinho Lindo. Então Quico mete as patas ao se esbanjar: A dança das horas, de Tchaikovsky.

Nessa hora cairia bem um “Ai que burro, dá zero pra ele”. Explicaremos. O russo Piotr Tchaikovsky não compôs a Dança das horas, senão a Dança das fadas. Seu contemporâneo italiano Amilcare Ponchielli quem foi o responsável por criar o balé mencionado por Quico.

Só que não!

A frase do Quico, embora errada, apenas abre espaço para uma outra piada. Minutos mais tarde, quando o Seu Madruga pergunta o que a turma estava tocando, o Chaves acusa que o bochechudo vestido de marinheiro estava tocando A Dança das 24 Horas, de Tchutchaychukowsky.

E é aí, moçada, que entra a piada. Vejamos (a partir do instante 11:30):



Notaram o que o Chaves falou? "Quico estava tocando a Dança das 24 Horas de Zabludovsky". Pois então! Acontece que Jacobo Zabludovsky é um jornalista mexicano que, décadas atrás (algo como 1960), tinha um programa na própria Televisa chamado "24 Horas, con Zabludovsky. E o Chaves nada mais faz que se embananar todo e misturar tudo.

Matamos? :)

Bom, aproveitemos o espaço para mostrar algo que talvez alguns ainda não saibam. A letra original da canção que conhecemos como Que bonita sua roupa não tem nada a ver com vestimentas, e sim com a vila do Chaves. A canção se chama Que bonita vecindad, e o refrão é Qué bonita vecindad/ Qué bonita vecindad/ Es la vecindad del Chavo / No valdrá medio centavo / Pero es linda de verdad - traduzindo, “Que bonita vizinhança / É a vizinhança do Chaves / Não deve valer meio centavo / Mas é linda de verdad”. Tá aí abaixo, pra quem quiser.



sábado, 21 de julho de 2012

Meu telefone não toca, e sempre acho que é você


E quando ele resolve fazer algum ruído, então? Acho que ele nunca tocou tanto ultimamente e que tanta gente tenha querido falar comigo como naquele dia em que eu esperava uma, apenas uma, somente uma e nada mais que uma simples mensagem.

Um oi. Um oi já bastaria para que eu abrisse o maior sorriso do mundo nos últimos tempos. E se você achasse que um oi já seria abertura demais para alguém como eu... bah, só um “?” já seria o suficiente.

Com certeza eu estragaria tudo depois, mas curtiria aquele momento como se fosse único. Assim como desfrutei de tantos outros, te olhando, vendo você me olhar, escutando você falar e percebendo as pequenas variações do teu sotaque, que te entregavam e me diziam tudo sobre você.  

Sei tanto sobre você que você nem imagina.

Sei tanto sobre você a ponto de saber que meu celular não tocará. 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A sensação mais imbecil do mundo


Va.

Hoy quisiera hacerte una pregunta, que se me ocurrió mientras llegaba a mi casa, esperaba por el ascensor y escuchaba desde lejos a mi perro solito llorando de ansiedad.

La verdad te digo que me pareció re sensata y muy tierna la pregunta esta, capaz te sentirías bien y solo estuvieras esperando que te ayudara a sacarte este nudo de la garganta. Sos testaruda, mi bonita, yo sé, y estaba listo para quitarte toda esta sensación de Cash que tenés y que nos hizo y que nos hace tan mal.

Asíque quisiera que nos juntáramos, te miraría en los ojos, te tomaría la mano y te preguntaría. Así de una, aunque con la voz medio temblando de angustia hasta escuchar tu “sí, sí, sí!”

Va... me muero por oírtelo, creo que se me rompería la cara con la sonrisa que tendría. 

Pero al final pasé a mi casa, prendí un pucho, lo fumé y me di cuenta.

Va… qué sé yo.

Soy un pelotudo. Todavía no estás (así tan) loca.  

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Autoflagelação


Passar por uma loja, fingir que procura alguma coisa, encontrar aquele teu perfume que eu te dei de Natal, batalhar comigo mesmo antes de tomar alguma atitude, decidir borrifá-lo em uma tirinha de papel, absorver aquele aroma que sempre esteve atrelado à minha felicidade, lembrar de todos aqueles momentos que sempre seriam para sempre, querer te ligar e ouvir a tua voz, ver tua foto no meu celular (por que elas ainda estão lá?), guardá-lo rapidamente no bolso, sentir meu coração se encolhendo, acender um cigarro.

Preciso parar com essa vida.  

sexta-feira, 29 de junho de 2012

TGIF

Oi!

Não me leve a mal, eu sei que acabamos de nos conhecer e que ainda não é a hora de eu ser sincero contigo. Ainda precisamos daquele momento em que eu te conto vantagens da minha vida, você me conta algumas vantagens da tua e assim vamos nos conhecendo mais e mais.

Acontece que eu queria dar um passo mais além, se é que me permites. Gostaria de te falar que adorei passar essa noite de sexta contigo, de ter ficado horas e horas te ouvindo falar sobre a tua admiração pelo Tim Burton e o quanto te comoveu o filme mais recente do Ricardo Darín.

Sabe? Queria te contar o quanto foi legal te ouvir falar de coisas sobre as quais eu não tinha a menor ideia. Foi interessante, de verdade, e era por isso que eu não falava nada sobre mim... apenas dava corda pra você me falar mais e mais de você.

Eu sei, eu sei que deveria ter interrompido todo o teu falatório e ter tentado melhorar ainda mais aquela noite que inaugurava o nosso final de semana. Talvez você estivesse esperando que eu tomasse alguma iniciativa e... sei lá, te tascasse o maior beijo dos últimos tempos enquanto você divagava sobre o roteiro do season finale de How I met your mother.

Mas não consegui, essa é a verdade. Queria aproveitar o máximo do máximo do máximo de todo aquele momento. E não queria correr o risco de interromper tudo aquilo e colocar todo o resto a perder - afinal, a conversa estava super agradável, não é? Só que relaxa, isso não quer dizer que eu não gostei de você, que eu te achei feia ou que te achei chata ou brochante. Pelo contrário!

Agora vou deitar lembrando de ti, tentando escutar o que resta da tua voz dentro da minha cabeça, vou tentar lembrar o toque da tua mão e imaginar como seria o teu beijo. E também como você sorriria para mim depois de tudo isso - será que seria o mesmo sorriso que você deu quando eu te contei a pior piada dos últimos tempos? Talvez...

Então. Eu só queria te dizer que você agora é o grande amor da minha vida. Vou imaginar como tudo seria se um dia for. Todos, todos os detalhes que você puder imaginar. Tudo isso por pelo menos por uma semana.

E só queria te pedir uma coisa, se não for muito incômodo: não me desiluda até a próxima sexta-feira. Se nada der certo entre a gente durante semana, sexta eu tento conhecer o novo amor da minha vida da semana que vem. Mas, por enquanto, deixa eu brincar de fantasiar?

Obrigado.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Lembrei do Roco hoje à noite


Ele nunca havia movido um pelo quando eu saía para fumar um cigarro de madrugada e pisar descalço no teu gramado. No máximo abria os olhos avermelhados, me reprimia com o canto do olho e voltava a seu sono carregado e barulhento.

Naquele dia não. Resolveu sair de sua cama improvisada para me rodear, sentar-se à minha frente, de costas para mim, e olhar para o nada comigo. Senti um arrepio.

“Che, Róqui, que foi? Será que... você também acha?”.

Ele não respondeu.

Traguei mais forte o cigarro para tentar acalmar a taquicardia daquele momento. Sequei as palmas molhadas das minhas mãos na calça e entrei.

Quando saí de novo, não recebi a despedida digna com caráter de “até logo” que ele sempre costumava fazer para mim. Ignorou inclusive meu "chau, Róqui" 

Resolvi olhar para trás e me convencer de que ainda voltaria para aí.

Não consegui.

Teu cachorro manja de despedidas. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

Ainda não tirei tua foto 3x4 da minha carteira


Ela continua lá, no mesmo lugar de sempre, acompanhada de pequenas coisas que gosto de carregar comigo para cima e para baixo, nas minhas errantes e quixotescas aventuras que nunca sequer começaram, que nunca sequer existiram.

Só que virei tua foto, escondi teu rosto.

Te explico.

Não quero ver teu rosto, me lembrar de ti e trazer contigo um caminhão de boas lembranças de um momento impossível e improvável no espaço-tempo que tornamos (como?) verdadeiro.

Ainda não é a hora. O doce dói, o amargo seria o melhor tratamento.

Quero pensar que um dia vou poder te olhar sem arrombar os estigmas que não querem cicatrizar. Gostam de estar ali, de inflamar, de fazer doer.

Quero poder um dia olhar para ti e sorrir, rir, gargalhar, orgulhar-me do passado e...

Mentira.

Quero ver teu rosto sim, me lembrar sim de ti e, claro, trazer contigo um porta-aviões de ótimas lembranças.

Só ainda não tive coragem de tirar tua foto de lá.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Sorriso de meio rosto


É estranho você imaginar que tudo o que anda fazendo para resolver seus insolucionáveis problemas é inútil. Uma verdadeira perda de tempo.

Você acha que está medindo todos os passos que dá, que é soberano de seus desejos, de suas vontades e de sua mente, que tudo depende única e exclusivamente de si mesmo. Que está fazendo o máximo dos esforços para superar essa turbulência e que, em algum momento, com muita luta e algumas lágrimas, as coisas se encaixarão. Não seja tolo, meu caro, o mundo não funciona assim.

E como funciona? Não sei.

Só sei que tudo vai mudar, que todo esse agite irá passar. Claro, e aí entramos naquele velho clichê: quando você menos esperar.

Talvez olhando de longe, contra o sol já ansioso por se recolher, você veja alguma coisa que suspenda toda essa angústia de teu corpo e a deixe pairando alguns metros bem acima de você.

Quem sabe sentindo aquele aroma, que há tempos você sentia e se deliciava... mas que em dado momento entrará pelas tuas narinas, subirá de maneira inebriante pelo teu nariz e rapidamente se alojará no teu cérebro, te embriagando e relaxando todos os músculos do teu corpo. Menos sete: aqueles que entrarão em movimento e te farão dar um sorriso de meio rosto – ao menos para mim, os mais sinceros e com um mínimo de autocontrole.

Outra maneira interessante de ver todos os seus problemas serem reduzidos a pó de uma maneira tão imediata é... não sei. Aquele instante em que a tua mão, já retraída, é tocada por uma outra mão – uma mão que busca a tua quando o que ela mais quer é se proteger. Uma mão que a aperta suave e decididamente, que esfrega um terno polegar sobre o dorso da tua, como que para apagar a marca que ali por tanto tempo havia se instalado, para limpá-la dos resíduos de outrora que tanto te fizeram bem e que hoje te inflamam. Posso te garantir: sete outros músculos irão se mover do outro lado da tua face nesse instante, e todo teu autocontrole sairá voando pela janela.

Agora, cuidado.

Se todas essas três coisas acontecerem ao mesmo tempo, prepare-se: você terá um novo problema. Enorme. 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Suspiro


Às vezes custa dizer alguma palavra mais bonita, profunda, demonstrar um sentimento ou o que quer que seja. É difícil, se seja algo realmente sincero e que saia do mais ínfimo pedaço do teu organismo.

Dizer algo verdadeiro, sincero, é se desprender daquilo. É um desabafo, não deixa de ser. Uma coisa da qual você se livra, que se desgarra das células dos seus órgãos e que vai fluindo pelo interior do teu corpo. Segue um fluxo tortuoso e instintivo até ser arranjado em uma sensação passível de tradução para o cérebro. E aos poucos você vai agrupando letras, palavras, orações, frases e expele tudo aquilo por meio da boca.

As palavras sempre saem fortes, com o intuito de atingir a quem se fala. E toda essa força te daria um tranco para trás caso tudo isso fosse um processo pura e simplesmente físico. Fato é que, se você está desprovido de forças e ainda assim reúne algum restolho para tal atitude, sente algo parecido a essa reação.

Tudo isso, imagino eu (e partindo do pressuposto de que você está dizendo algo realmente intenso, importante e verdadeiro), tem lá sua intenção. E você, se pudesse, acompanharia atentamente o caminho das tuas palavras até o objetivo proposto e esperaria ansiosamente pela retribuição de tal gesto. E que faria tudo valer a pena.

Muitas vezes a tua finalidade nada mais é que... se recompor. Renovar a carga daquilo que você se desprendeu. Só que, como nos ensina a vida, a tua chance de cumprir o teu objetivo é de 9 em 10. Digo, 10 elevado à máxima imaginável potência. E então esteja preparado para as consequências do fracasso. Que não são muitas, na verdade. A única coisa que pode te acontecer é simples.

Você vai acompanhando o rastro das tuas palavras, prende a respiração e vê todo aquele emaranhado de palavras se colidindo a um robusto e bem concretado muro de estilo holandês, composto pelos mais espessos tijolos que poderiam ser encontrados no mercado. Te parte o coração, essa é a verdade. Mas antes mesmo de os teus olhos se marejarem você se lembra de que precisa respirar.

A entrada do ar te oxigena o cérebro, expande o ângulo da tua visão e... te deprime um instante até você poder raciocinar um pouquinho melhor. Você vai se fechar, você vai perder parte do teu senso de humor, você vai reagir a qualquer estímulo exterior com um simples “ah, ok”.  Fique tranquilo. A vida segue. Mas você nunca mais arriscará as tuas últimas fichas contra aquela enorme e imponente barreira. Até amanhã.

O que eu quero dizer com tudo isso?

Direcione melhor as tuas palavras quando quiser dizer algo realmente importante. Ou crie um blog. Ou fuja para as montanhas.

domingo, 13 de maio de 2012

Uma semana depois


Não sabiam como reagir quando se cruzaram novamente, após um longo período de turbulenta calmaria, de um furacão de morosidade, de algo que nunca havia feito sentido e nem nunca fará. Os olhares se colidiram naquela profundidade que só eles saberiam explicar. Sorriram? Acho que sim, não sei dizer. Acho que sorriram. De uma maneira amarela, talvez, já que tentavam disfarçar que tinham, cada um, um coração extrapolando a garganta.

Cumprimentaram-se. Trocaram um beijo desengonçado, mal ensaiado, torto, morto. Nas bochechas, claro. Ameaçaram um abraço. Começaram com um braço, depois outro. Ficou um abraço de três braços. O mais estranho de sempre.

A primeira conversa (ao vivo) depois de muitas lágrimas nunca é simples. Sobram palavras que clamam por serem ditas, transbordam conjunções – quantas conjunções! – e há uma revolução de verbos que exigem a conjugação no subjuntivo. Mas é preciso, de alguma maneira, pensar 800 milhões de vezes no intervalo de um ou dois nanossegundos a fim de conduzir aquele encontro da maneira menos pulsante possível. Deixemos as combustões para daqui a pouco.

Em conversas desse tipo é que o clima se torna o melhor assunto das galáxias. Se faz frio, melhor. Mais minutos de comentários amenos sem objetivo algum. E sobre isso que falaram. O frio, o vento, o calor, a falta dele, qualquer coisa que estivesse relacionada... ao clima. Não ao tempo. Tempo era uma palavra a ser evitada, neste e nos outros incontáveis e impensáveis universos paralelos que os envolviam. Falaram sobre o clima. E depois sobre os empregos. Inventaram insatisfações que não existiam apenas para manterem aquele (re)encontro frágil da forma mais fácil e falsa que podiam. E ficaram assim durante infinitos 15 minutos.

Resolveram que tinham que se despedir. Iniciaram o ritual que haviam feito quando se cumprimentaram: sorriram de uma maneira amarelada, disfarçaram o coração novamente na garganta... mas ambos consentiram em uma coisa: iriam somente se abraçar. De uma maneira menos improvisada que da primeira vez.

Com dois braços se abraçaram.
Se apertaram.
Se confortaram.
Se acalmaram.
Se despreocuparam.
Se... amaram?
Se olharam.

Sorriram novamente e todos os extremos dos seus corpos ficaram gelados como nunca dantes. Pensaram em dar o que seria um novo beijo na bochecha até que consentiram, sem nenhuma letra, sem nenhum olhar e sem nenhum suspiro, que as bochechas não deveriam ser beijadas naquele momento.

Se beijaram.

Não um beijo desengonçado, mal ensaiado, torto, morto. Era um beijo, como todos os beijos daqueles que um dia se amaram devem ser. Mas foi melhor do que isso. Nada ensaiado. Foi improvisado. Sentido. Vivido.

Um beijo que amenizou aquela confusão toda. E deixou, a ambos, em uma confusão maior ainda. Mas mais suportável.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Claustrofobia

Tenho medo do escuro. Tenho medo das paredes que não posso ver, mas que sei que estão bem aqui do lado aquecendo o ar cada vez mais escasso que aspiro. Evito respirar, tento não desperdiçar o pouco que me resta para continuar nessa sobrevivência à espera de ver a luz novamente.

Daqui mal posso saber o que acontece aí do outro lado. Escuto alguns ruídos, sinto que às vezes você se aproxima mas não sei se está de fato pensando em me tirar daqui de dentro, se apenas esbarrou por aqui sem querer ou se está brincando comigo. Enquanto isso tento continuar minha fantasia, cada hora com um desfecho, cada hora com um andamento diferente. É o que me resta, não?

A verdade é que estou aqui por uma boa razão, você me convenceu. É para que você extermine todos os males daí de fora e venha me resgatar quando tudo já estiver calmo e tranquilo para que possamos viver em paz. Você quer apenas me proteger, até de você mesma, e eu deveria pensar que linda atitude esta, que sinal de altruísmo. Que atitude a se levar em conta!

Desculpe, a falta de luz me deixa irônico.

Andei pensando muito. Sei que não estou forte o bastante, sou apenas um pequeno ovo com a casca um pouco rachada, mas queria te pedir: por favor, me tira daqui? Está muito escuro, já está fazendo bastante calor, não estou conseguindo respirar bem e meus sonhos se me confundem, não sei mais o que é realidade e o que é fantasia.

Por mais que não esteja forte o bastante, quero lutar. Quero fazer parte dessa guerra, quero estar na linha de frente e reabrir o caminho para tudo o que estava por vir. Quero ter minha lança empunhada, te dar a outra mão. Aceito pelejar sem escudo, de tão certo que a vitória virá contra esse exército tão grande que se voltou contra nós sem nenhuma razão na qual valha a pena pensar.

Mas se você não quiser lutar essa guerra e prefere dar-se por vencida, tudo bem. Me tira daqui do mesmo jeito. Quero seguir minha vida, respirar novos ares, voltar a ser espontâneo e estar mais à mercê do porvir. Quero fazer eu o meu destino, não esperar que o façam por mim sem saber o que virá. Cansei de estar aqui, sozinho, no escuro, trancafiado, não fazendo nada além de contar os dias, as horas e os minutos sem poder sequer ver o meu relógio. Não sei nem se acabei de entrar aqui e estou fazendo birra ou se estou aqui já há séculos. Não sei o que é o tempo, mais.

Seja como for, decida-se. Agora. Deixa de fazer esse jogo, não quero brincar. Esse jogo perverso que só me faz ficar ansioso e angustiado aqui dentro. Assuma, nem que seja só hoje, a consequência das tuas atitudes. Ou confesse, pelo menos uma vez, que a tua decisão não foi a melhor possível e admita o teu erro. Seja sincera, seja honesta, nem que por um pequeno instante. Lute comigo ou me deixe lutar em outra guerra, com outras pessoas. Não fui feito para estar aqui, preso, no escuro, dentro da tua gaveta.

Gaveta... Que coisa muito louca.

Gaveta, que em espanhol se diz cajón.
Cajón, que em portunhol se traduziria caixão.
Caixão, que em espanhol se diz ataúd.

Momento de reflexão


Manuel Bandeira, um gênio

Você me conhece?
(Frase dos mascarados de antigamente)

- Você me conhece?
- Não conheço não.
- Ah, como fui bela! Tive grandes olhos, que a paixão dos homens (estranha paixão!) fazia maiores... fazia infinitos. Diz: não me conheces?
- Não conheço não.

- Se eu falava, um mundo irreal se abria à tua visão! Tu não me escutavas, perdido ficavas na noite sem fundo do que eu te dizia... Era a minha fala canto e persuasão... Pois não me conheces?
- Não conheço não.
- Choraste em meus braços!
- Não me lembro não.

- Por mim quantas vezes o sono perdeste e ciúmes atrozes te despedaçaram! Por mim quantas vezes quase tu mataste, quase te mataste, quase te mataram! Agora me fitas e não me conheces?

- Não conheço não.
Conheço que a vida
É sonho, ilusão.
Conheço que a vida,
A vida é traição.

Close para o fim

A dor pode ser horrível, insuportavelmente intensa, inexplicavelmente amarga, inquietantemente angustiante. Mas ela é, até certo ponto, tolerável – desde que seja possível exprimi-la de alguma forma, mesmo que de uma maneira nada objetiva. Uma vez ela localizada e assumida, a tendência é que as coisas, na pior das hipóteses, se estabilizem.

Só que o problema maior não é isso.

Há quem tente superar a dor fingindo naturalidade, forçando a normalidade e transparecendo uma sanidade madura e estável. Isso dói, e dói muito. Dissimular uma condição que não é a tua te sufoca na hora de escolher as melhores palavras, as melhores expressões, as melhores respostas, os melhores roteiros.

A verdade é que nada sai direito. Aquelas que pareceram até milissegundos atrás as melhores chaves para as portas encerradas explodem na madeira maciça e sequer a fazem tremer. E pior: tornam-na mais forte e cada vez mais intransponível. Especialmente se a aleatoriedade sempre havia deixado aquelas portas escancaradas, mostrando do outro lado um jardim alegre, habitado por altas árvores e flores e pássaros e borboletas e insetos e... (aquilo ali é um arco-íris?) e abrilhantado pelos raios de sol das 8 da manhã.

Mas parece que dissimular é o melhor cenário.

(É o que eu tento dizer a mim mesmo)

(E eu mesmo me respondo, sem muito pestanejar)

- Ah tá, como se isso fosse um filme de final feliz.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Queria te dizer tanta coisa.

Queria que soubesse como essa dor é dolorosa e você não consegue sair de dentro de si mesmo você nem sabe mais se seu coração é pequeno demais e há um eco em seu peito ou se ele cresceu tanto nos últimos dias que não sobra espaço em nenhum outro lugar do seu corpo e ele quer extravasar e ele precisa extravasar mas ao mesmo tempo não sabe por onde e nem como enquanto eu continuo nessa incerteza sem saber como quando onde por que e por que tudo teve que ser assim e que as coisas tenham que ter um fim tão trágico depois de tantos momentos que jamais serão esquecidos e nem poderão ser esquecidos e que por mais que eu tente esquecê-los jamais serão esquecidos e quando me ponho a pensar nisso tudo fico cada vez mais desesperado e essa angústia corrói o meu ser e corrói tudo aquilo que com tanto esforço eu havia construído de uma maneira tão sólida e é nesse momento em que nada mais faz sentido e eu pobre diabo tento encontrar sentidos que não existem em letras de músicas conversas antigas receitas de ansiolíticos guardanapos dos cafés onde fomos conversas com pessoas conversas com você conversas comigo mesmo e ao mesmo tempo não quero conversar comigo porque sou uma péssima companhia para mim mesmo e é nesse momento em que eu vejo que estou alucinado e que estou em um ritmo extremamente acelerado enquanto o mundo vai se acalmando e vai reduzindo sua velocidade em uma desaceleração incrivelmente forte e tento respirar e sinto que o ar não vem e me angustio acendo um cigarro e outro cigarro e muitos outros cigarros até que o fluido do meu isqueiro chega ao fim e o cinzeiro já transborda de bitucas chamuscadas por outras bitucas e então não resta outra alternativa senão uma segunda tentativa de respirar... fundo.

O ar, limpo, frio, saborosamente insosso, estufa meu peito.

Me acalma.

Me conforta.

Oxigena meu cérebro, tenso, e acalma minhas terminações nervosas.

As mãos, molhadas e frias, se esquentam.

Expiro o ar vagarosamente, quase calmamente.

Sinto a carga pesada esvaziando minha cabeça.

Sinto meus olhos, antes nublados, quase cegos, que não faziam outra coisa senão enxergar lembranças nos lugares mais incomuns (e mais improváveis), se fechando naturalmente.

Sinto o sono que há tempos não sentia.

Quero dormir.

Preciso dormir.

Apesar de ainda ter tanta coisa para te dizer.

Mas...

...

Preciso não te ligar amanhã.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Divisão da cama de casal

Um meme bem engraçadinho circulando na internet sobre a divisão real de uma cama de casal me fez concluir algo com que pelo menos 109% dos casais (felizes e satisfeitos) devem concordar.

Nunca, mas nunca mesmo, uma cama de casal vai ser repartida igualitariamente entre duas pessoas – a não ser que um muro de tijolos seja colocado sobre um meridiano de Greenwich imaginário sobre o colchão, o que faria com que toda a mística sobre um leito para dois deixe de existir. Só que... sinceramente, quem se importa?

Jamais será você quem invadirá o espaço alheio (embora, sim, você também o invada). Sempre será o outro, e acho que isso passa um pouco pelo processo de automartirização de uma pessoa apaixonada. Sem neologismos, o que você quer mesmo é valorizar todos os sacrifícios que alguém em tal condição de insanidade amorosa é capaz de fazer.

E é necessário frisar aqui: dormir sozinho é uma das maiores comodidades que já inventaram. Você tem todo o espaço do mundo, pode se mexer à vontade, não acorda com o próprio ronco e (quase) nunca terá um déficit de cobertas. E poderá se cobrir e descobrir quando bem entender. Isso é inegável.

Enquanto isso, a partir do momento em que você divide um colchão com alguém, certos problemas surgem. Há menos espaço. Menos mobilidade. Menos liberdade. Mais chutes. Mais cotoveladas. Mais chances de cair da cama. E olha que ainda nem mencionei o ronco: eu, se pudesse, escolheria meu par amoroso pela altura do ronco. Por sorte, sempre fiz escolhas acertadas (neste quesito, vamos nos concentrar neste quesito).

Outra coisa: o corpo humano não foi desenhado para a cama de casal, que comporta no máximo três braços. Um (o teu, obviamente) sempre sobrará. E ficará dormente, independentemente da maneira como for acomodado. É um verdadeiro incômodo, vai por mim.

Olhando por esse lado, dormir com outra pessoa é a pior coisa do universo. E afirmo tudo isso com a tarimba de quem já fez a loucura de dividir uma cama de solteiro com alguém. Por mais de um mês. Mais de uma vez.

Foram as melhores noites da minha vida.

Aconteça o que acontecer, nada se compara ao acordar ao lado da pessoa de quem se gosta e ter como primeira sensação do dia o sentir o contato da tua pele com a dela – que já é quase a tua. Nem tampouco ao olhar ainda sonolento dela, sem maquiagem ou com o rímel já todo corrido, que te dá arrepios cada vez mais fortes. E falar o que do primeiro “oi” que você ouve e que faz o teu dia melhor, por pior que você saiba que ele vá ser?

É difícil encontrar algo que também seja melhor que dormir grudado com a pessoa amada, em um abraço tão forte que demonstre que você nunca a deixará ir. E ficar nessa posição durante uma, 3, 6, 8, 10, 12 horas. Quantas forem necessárias, e que serão uma fugacidade. Deveriam durar para sempre.

E se em algum momento cansar e seu corpo, entediado, rogar por uma mudança de posição... ele mesmo vai te implorar, menos de 10 segundos depois, para voltar ao abraço e ao aconchego dela. E com o tempo o braço que sobra na cama... até ele vai se acostumar a passar toda a noite dormente, formigando, dolorido, incômodo.

Aos poucos você só vai conseguir responder se teve uma boa noite de sono se dormiu com ela.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Pandora, maldita

Resolveste criar um jarro para guardar as piores facetas do universo e apenas não liberaste a esperança. Por quê? Se milanos depois é o que mais necessito? A esperança que se me perdeu quando me lembrei de tua caixa guardada não tão secretamente, sempre a deixaste ali à minha espreita, contra minha vontade, para quando eu mais precisasse investigá-la – e quando eu menos tinha que procurá-la.

Ah, Pandora, tua maldita.

Não pudeste simplesmente deixar-me alheio de tudo isso? Não pudeste simplesmente deixar-me tão contente com a minha ignorância, a minha ignorância que me fazia tão bem? A minha ignorância que era a minha felicidade! Funesto conhecimento este, que nada mais faz senão amuralhar qualquer brisa de esperança que queira vir em minha direção.

Ah, a esperança.

Esperança, consolo dos não ignorantes, única alternativa de felicidade dos infelizes. Feliz era eu, errado, sem esperança e sem males que me atormentassem. Tinha apenas os meus sonhos – que nada tinham a ver com a esperança. Então teu jarro, tua caixa, teu amaldiçoado cofre, que em um mundo ideal jamais seria preenchido nem pela mais remota e passageira dor... e que me brindou o indesejado conhecimento e me roubou a ignorância, prenúncio de felicidade.

Ah, a... felicidade?

Agora me contento com a esperança e te la suplico. Renuncio à antiga e falsa (eu sei) felicidade de outrora pela inebriante esperança se permitas que ela me traga novamente aquela ignorância quase pueril, que me turve os olhos e me devolva o andar torto e soberbo dos bêbados. Que torne minha sobriedade tão embriagada, tão insensata, tão improvável, tão irreal e tão concreta, tão real, tão provável, tão sensata.

Ah, Pandora...

Por quê?

domingo, 29 de abril de 2012

Prefácio de um livro inexistente

Quando percebi que era você que eu queria para mim durante os próximos dois, cinco ou 50 anos, talvez 70, senti que, mais do que nunca, deveria escrever. Não sabia se as minhas crônicas pueris seriam o suficiente para nós, então deixei de lado a minha aspiração a cronista. Passei a escrever e-mails, mensagens de celular, conversas pela internet...

Hoje, no entanto, acordei com a certeza de que toda essa minha escrita simples e pessoal com você nos últimos intensos e insanos dias não eram mais o bastante. E nem o suficiente. Hoje, em uma manhã fria de domingo, com um bloco virgem e uma caneta nova, decidi que escreveria um livro sobre nós. Um livro para que eu leia daqui uns dois, cinco, 50 ou talvez 70 anos e me recorde de você.

Ou para que eu tenha a certeza de que eu ainda não me esqueci de você, não sei. Até porque, como eu já lhe tinha falado uma ou 100 vezes, não dá para levar uma vida normal depois de ver o seu sorriso iluminar o meu mundo.

Antes que eu esqueça, queria te falar uma coisa: mudei a estrutura do nosso livro. O prefácio não será a nossa pré-história (ou seja, a nossa história antes do primeiro encontro). E ah, esse livro terá um fim, como já se sabe (e não será, como havíamos combinado antes, um relato que seria concluído apenas por nossos filhos).

Espero que não se importe de ver a nossa história exposta aqui, assim tão real, aos olhos de tanta gente. E espero que, assim como eu, ainda guarde lembranças boas de nossa vida juntos.

Sinceramente e com carinho;